domingo, 4 de março de 2012

flo(cadillac)








carros vida real


Sally foi baseada em um Carrera
Sally foi baseada em um Carrera


 


Um corredor novato, que se torna a sensação da temporada, precisa chegar a tempo ao circuito da Califórnia para a corrida que o consagrará campeão. A vitória, além do lugar mais alto do pódio, garante um contrato milionário com a principal equipe do país. O percurso até a pista atravessa o Grand Canyon pela lendária Rota 66 e passa pelas cidades que margeiam a rodovia mais famosa da América.

É este o roteiro do desenho "Carros" ("Cars", em inglês), aposta da grife Disney/Pixar para ser o sucesso do verão 2006 nos EUA. A previsão dos estúdios vem se concretizando. Desde a estréia norte-americana, há três semanas, o filme está no topo do ranking de bilheteria e atrai tanto crianças como fãs da indústria automotiva.

O longa-metragem de animação, que chega às telas brasileiras nesta sexta (30), tem pitadas do filme "Dias de Trovão" - tradução do original "Days of Thunder", de 1990, em que o astro Tom Cruise vive um talentoso e temperamental piloto da Nascar. A nova produção de John Lasseter, que assinou a direção de "Monstros S.A." e "Os Incríveis", poderia ser uma versão do road-movie com Cruise, não fosse a ausência do elemento humano. No desenho, o herói não é de carne e osso, mas um bólido que disputa a categoria de velocidade mais famosa dos EUA. E essa fantasia se estende para todo o filme. Os veículos têm vida própria e são protagonistas absolutos, como anuncia o título. Deus é mencionado no filme como "O Grande Construtor", os insetos têm forma de modelos ícones e vacas são máquinas agrícolas.

A assinatura da Pixar fica nos detalhes. Em "Procurando Nemo", de 2003, a vida marinha retratada na obra foi fielmente reproduzida. Em "Carros", o personagem principal é o aspirante a campeão Relâmpago McQueen, que incorporou a fuselagem de duas marcas famosas nos circuitos da Nascar nos anos 90: Corvette e Dodge. O design da montadora GM é o mais evidente no corpo de McQueen. Da concorrente Dodge, o protagonista recebeu o aerofólio reforçado e as lanternas traseiras. Nem as minuciosas letras brancas estampadas nos pneus tala-larga foram esquecidas. Olhos atentos lêem "Lightyear" no conjunto, escrito com o mesmo tipo de letras usadas pela Goodyear na série "Eagle", modelos de alto desempenho da marca. Lasseter aproveitou o trocadilho para homenagear o astronauta Buzz Lightyear, personagem de "Toy Story".

O visual que a Pixar imprimiu ao filme é o que mais chama a atenção, mas os efeitos sonoros também surpreendem. O estridente motor V8 de 750 cavalos que equipa os competidores da Nascar foi transportado para "Carros" com a mesma potência. O propulsor de Relâmpago McQueen se destaca dos coadjuvantes porque, como na realidade, uma máquina de corrida não precisa se preocupar com o atenuador de ruídos - equipamento obrigatório nos veículos de rua, que acaba suprimindo parte da potência do motor. O diretor, inclusive, usou a barulhenta aceleração para acentuar o ar arrogante do herói.

Mesmo quando o protagonista divide a cena com seus dois rivais de pista, os sons do arranque característicos de cada modelo não se perdem. Lasseter soube pontuar o giro do motor do Plymouth Superbird dos anos 70 e do Chevrolet de competição dos anos 80 que querem colocar a mão na taça antes de McQueen.

Como todo bom longa-metragem de sucesso, "Carros" tem uma trama romântica. Para compor o par com Relâmpago McQueen, foi criada a doce Sally. O toque feminino da personagem aparece no modelo que é sonho de consumo masculino. Sally é uma Porsche 911 Carrera S ano 2002, da mesma cor azul-celeste patenteada pela montadora alemã. Seu charme fica por conta do suave ronco do motor, que mascara a real potência da máquina. Mais uma vez a Pixar foi fiel à realidade: o silencioso propulsor dos Porsches é resultado das severas leis de diminuição de poluentes (e isso inclui poluição sonora) da Europa.


Fotomontagem/UOL
Fotomontagem/UOL
O ranzinza Doc é um Hudson Hornet
Para colocar um pouco de óleo no romance, aparece o ranzinza Doc, um Hudson Hornet. O tom sóbrio que sugerem as linhas deste modelo de 1951 foi incorporado ao personagem saudosista. No filme, Doc é um veterano da competição que McQueen quer faturar, e não por acaso foi desenhado como um Hornet. O carro fabricado pela Hudson Motor Car Company nos anos 50 foi o grande vencedor da Nascar no começo desta década. Entre 1952 e 1953, o modelo faturou 41 das 48 corridas que competiu, uma marca impressionante para um carro de 6 cilindros que superava os V8 de pista de sua época.

A moral, sempre presente nos filmes da Disney, está nas lições que o cinqüentão Doc passa ao jovem McQueen. Elas incluem saber usar as características do carro para vencer. Mais uma vez, a escolha de um Hudson Hornet para encarnar o aposentado corredor foi acertada. O que fazia dos Hudsons imbatíveis nas corridas ovais nos anos 50 não era só o motor de 200 cv, mas também o baixo centro de gravidade de seu chassi. Esta configuração permitia que o piloto fizesse curvas em velocidade sem perder a estabilidade do carro. No filme, o conceito é narrado na íntegra.

Para completar a receita de sucesso, Disney e Pixar colocaram em "Carros" um elemento fundamental: o humor. Modelos que marcaram época estão no filme de acordo com o contexto que os deixaram mundialmente famosos. Uma psicodélica Kombi 1960 dá vida ao hippie Fillmore, que discute sua ideologia "paz e amor" com um sargento reformado do exército americano, o jipe Willys.

Radiators Springs, cidade onde se passa a maior parte da trama, é reduto de outros veículos que se destacaram na história da indústria automobilística. Quem cuida de rebocar os infratores do lugar é o enferrujado Mate, um guincho Chevy Wrecker 1955 com jeitão caipira, que se torna o grande amigo de McQueen. O corredor atrai outros peso-pesados. Quem o leva para as corridas através do país é a carreta Mack. O nome do companheiro de equipe de McQueen está estampado nas laterais do caminhão como em seu original, o popular modelo 1985. Para que Mack ficasse com mais pinta de caminhoneiro, os desenhistas estilizaram o quebra-vento da cabine como o boné do "motorista".

Um Mercury Cruiser 1949 é o xerife de Radiators Springs, que tenta manter a ordem do condado ameaçada por um bandode "tunados" arruaceiros. Vale lembrar que os Mercury foram usados no final dos anos 40 pela força policial na maioria dos estados americanos, e os carros tunados sempre foram associados aos adolescentes endinheirados. Destaque também para o casal Flo, uma atenciosa Cadillac, e Ramone, um Chevrolet Impala 1960. Os Impalas ganharam fama na Flórida e Califórnia como os preferidos pelos "Low Rider" para serem rebaixados e receberem cores personalizadas. Ramone é dono de uma oficina de "tatuagens" e presenteia McQueen com uma pintura especial: réplica do acabamento feito nos Corvette 1957, incluindo a faixa branca nas laterais.

A releitura dos clássicos carros americanos termina com a viúva Lizzie, uma octogenária Ford T 1920. A série T foi uma das primeiras do mundo a serem produzidas em linha de montagem, o que fez a Ford alcançar uma marca impressionante: de cada dois carros no mundo, um era "T".

Radiators Springs não é reduto apenas das jóias de Detroit. O peculiar Fiat 500, que os italianos batizaram de "Cinquecento", tem uma loja de pneus na cidade junto com uma Romi-Isetta, que faz as vezes de macaco hidráulico. Claro que a Ferrari, marca automotiva mais imponente da Itália, não foi esquecida. Mas se for contada aqui como a escuderia aparece no filme, a piada perde a graça.